Por um Segundo Manifesto Comunista

Por um Segundo Manifesto Comunista

Prefácio

Em contraste com a degradação reacionária da Internacional Comunista, a Oposição de Esquerda, que esteve na origem da IV Internacional, exprimiu a continuidade ideológica e orgánica da Revolução, da mesma maneira que os grupos internacionalistas de 1914 se situavam perante a corrosão patriótica da social-democracia. Incumbia de facto ao movimento trotskista uma tarefa nova, plena de obstáculos: assegurar a luta internacionalista contra a paz dos blocos militares no prolongamento da oposição revolucionária à guerra. O derrotismo revolucionário, tão admiravelmente reivindicado em 1914-1918 por Karl Liebknecht diante de um tribunal militar alemão e por Lenine em Contra a Corrente, devia ser levado até ao seu ultimo extremo: o triunfo do homem sobre o capitalismo e a guerra. Bastava, pois, formular, como reivindicações imediatas, as medidas políticas e económicas suscetíveis de desembaraçar o mundo dos armamentos e dos exércitos, do labirinto das nações, do sistema industrial e político baseado na mercadoria-homem. Mas os «clercs» que se apoderaram da direção da IV Internacional após o assassínio de Trotski não souberam sequer agarrar-se ao antigo derrotismo marxista, que figurava contudo no seu programa e mancharam a sua bandeira nas resistências nacionais.

Por outro lado, tornava-se indispensável reconsiderar a tática tradicional, que datava da Comuna de Paris e da Revolução Russa, bem como certos aspetos determinantes da estratégia, a fim de adapta-los às importantes mudanças ocorridas depois de 1917. De facto, o recuo termidoriano da Revolução Russa, começado por volta de 1921 (N.E.P. = Nova Política Económica), terminou mais tarde em contra-revolução capitalista do Estado. E, graças em primeiro lugar a este acontecimento, o capitalismo em geral perpetuou e aumentou o seu potencial explorador de uma forma sempre mais centralizada e prejudicial aos homens.

Este mesmo processo desencadeou uma modificação radical do que foram os partidos comunistas, fazendo deles não organizações oportunistas ou os lacaios operários da burguesia, mas os representantes diretos de uma forma especial do capitalismo, aquela que é intrínseca à lei de concentração dos capitais, lei relacionada com o automatismo da sociedade atual e, na Rússia, deliberadamente posta e lançada para a frente. Por seu lado, os sindicatos, quer sejam dominados pelo estalinismo ou independentes dele, acomodaram-se sem cessar diante do sistema de exploração de que parecem não querer separar-se.

No entanto, o proletariado mundial sofria uma série de derrotas que até agora nada vieram interromper. O que os falsos amigos lhe apresentam como as suas vitorias, China ou Cuba, Argélia ou Ghana, serve apenas para desmoraliza-lo, para o tornar inerte e deixa-lo assim à mercê dos seus inimigos. Essas vitorias, sendo na realidade as de certos meios capitalistas em face de outros, representam para o proletariado algumas derrotas; foi o peso material da contra-revolução russa que as tornou possíveis, Mas não sem que a vanguarda revolucionária, prisioneira das suas próprias ideias, lhe tivesse deixado livre curso. Mais do que nunca, «a crise da humanidade é uma crise de direção revolucionária», como dizia Léon Trotski. Aqueles que continuam a dizer-se trotskistas mergulharam, por trágica ironia, nas águas lamacentas do estalinismo.

Da luta contra a degenerescência da IV Internacional nasceu a maioria das ideias e proposições contidas neste Manifesto. Algumas das modificações ideológicas enunciadas remontam ao momento mais agudo da revolução espanhola quando pela primeira vez fora da Rússia o estalinismo revelara toda a sua natureza contra-revolucionária: em comparação com a de qualquer Kerenski ou Noske, revela-se apenas malfazeja. Por esta razão entre outras, tornou-se indispensável conhecer a fundo as peripécias da revolução espanhola, tão falsificadas ou pelo menos desnaturadas, mesmo em livros como o de P. Broué e E. Términe1. Ela encerra uma fase do combate e do pensamento do proletariado internacional e abre uma outra fase. Os seus ensinamentos servirão para esclarecer uma futura reincidência de agressividade dos oprimidos.

Os organismos dirigentes da IV Internacional não tinham ainda encontrado o tempo para tomar em consideração a importante experiência da revolução espanhola e, já na altura da Segunda Guerra Mundial, davam sinais de uma falta de internacionalismo, cujas ultimas implicações iam ser a esterilidade ideológica e a identificação com o estalinismo. Não somente a revolução espanhola, mas também os graves acontecimentos da guerra e do pôs-guerra, desfilaram diante deles sem outra consequência que não fosse a de acentuar a sua inépcia.

Desde os primeiros sintomas de degenerescência ideológica, o grupo espanhol no México da IV Internacional levantou-se vigorosamente contra ela, ao mesmo tempo que empreendia um amplo trabalho de interpretação dos acontecimentos mundiais e da revolução espanhola em particular2. Surdos e obtusos, esses organismos dirigentes impediram que as criticas, as informações e as proposições chegassem às bases de todos os partidos, excluindo assim deliberadamente qualquer possibilidade de discussão.

No primeiro congresso do pôs-guerra, em 1948, a secção espanhola rompia com a IV Internacional, depois de ter denunciado o seu abandono do internacionalismo e o seu rumo pro-estalinismo. Pouco tempo depois e alegando as mesmas razoes, afastou-se também Natália Sedova Trotski que, desde 1941, tinha permanecido junto de nos3.

Apôs o fracasso da revolução espanhola, a situação do proletariado mundial agravou-se sem cessar. Sempre convidado a apoiar as causas reacionárias apresentadas como libertadoras, ideologicamente explorado dia a dia e em todos os países, esse proletariado encontra-se amordaçado e arregimentado nos organismos ou organizações esclavagistas. À humanidade toda inteira, só pelo facto de ter sofrido passivamente o terror termonuclear de ambos os lados da cortina de ferro, vive numa situação de tal modo degradante que, por não poder desembaraçar-se, ainda se aviltará mais no futuro. Assim, a sociedade capitalista, a quem a luta de classes e a guerra entre as nações são consubstanciais, atinge o máximo do seu desenvolvimento onde a simples continuidade destruirá o homem, a não ser que o homem a destrua.

Chave da rebelião da humanidade, a rebelião do proletariado face ao capital e ao trabalho assalariado é a única capaz de fazer abandonar uma situação tão baixa e de atear o fogo do sonho revolucionário — fator histórico materialista entre todos.

Mas as ideias concretas da Revolução Russa, tal como o «Programa de Transição» as retoma, estão longe de bastar a semelhante projeto. Escrito por Trotski em 1937-38, quando a significação do período que abre a derrota da revolução espanhola ainda se não desenhava nitidamente, esse «programa» revela-se hoje mais do que insuficiente, bom para favorecer os oportunismos em face da contra-revolução estalinista e das suas filiais. Mostra-se caduco do mesmo modo que em 1917 era o programa anterior de Lenine. A não ser que o ultrapasse, tendo em conta a experiência e as condições objetivas criadas pela movimentação do capital, bem como as possibilidades subjetivas do proletariado no caso de uma plena agitação revolucionária, não ganhará a vitoria em parte nenhuma e todo o movimento insurrecional será esmagado pelos falsários.

O presente Manifesto, que inspira a nossa atividade em Espanha e à escala internacional, mostra-se interessado em superar essa carência ideológica. Dirigimos-nos a todos os grupos e organizações espalhadas pelo Mundo que sentem igualmente a necessidade da revolução socialista, tanto no bloco oriental como no bloco ocidental. Convidamos todos a estudar as ideias aqui expostas. O renascimento de uma organização proletária à escala mundial exige a rutura com inúmeros atavismos e um pensamento constantemente inventivo. Estamos dispostos a discutir publicamente tudo o que aqui expomos, com qualquer grupo cuja atividade pratica e teórica demonstre a sua identificação com a Revolução. Mas não perderemos tempo com aqueles onde o diletantismo domina, mesmo se pretendem partilhar, inteira ou parcialmente, das nossas ideias.

À ideia revolucionária «não é uma paixão do cérebro, mas o cérebro da paixão» (Karl Marx) e, como tal, reclama-se absolutamente outra coisa que nûo sejam pequenos jogos literários ou protestos mentais. Todo o diletantismo é uma reverberação do mundo contra a qual nos nos batemos.

Devemos lembrar que algumas pdginas deste Manifesto foram publicadas em 1949 sob o titulo «O Proletariado em face dos dois blocos» e sob a responsabilidade de um grupo chamado União Operaria Internacional, cuja existência foi efémera. Mas a versão bastante sucinta dessa altura, tal como esta, devem-se sobretudo à elaboração ideológica e à redação de Benjamin Péret e G. Munis, na qualidade de militantes do «Fomento Operário Revolucionário», cuja origem foi a secção espanhola da IV Internacional. Em 1936, na fase intensa da revolução, no México, sempre sob a ameaça dos assassinos de Estaline, depois em Espanha, desafiando a repressão franquista, Péret não deixou um só instante de combater a nosso lado. Temos de sublinhar aqui o contributo de Benjamin Péret, o amigo, o revolucionário-poeta, cujo tom pessoal transparecerá, aqui e além, no decorrer da leitura deste Manifesto.

Decadência do Capitalismo

As classes dirigentes tremem com a ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder a não ser as cadeias que os amarram. Têm mesmo um mundo a ganhar.

A mais de cem anos de distáncia, estas palavras do Manifesto Comunista soam ainda como uma chicotada no rosto dos opressores. Até hoje, o fantasma do comunismo não foi exorcizado pela validade social do capitalismo, mas pelo aparecimento de novas forças reacionárias que atuam mesmo no seio do próprio proletariado, à frente das quais se encontra o capitalismo de Estado instaurado na Rússia pela contra-revolução estalinista. Inúmeras revoltas no Mundo têm sido derrotadas, provocando a afirmação de uma sociedade decadente, a desmoralização do proletariado. O proletariado permanece, além disso, como a única força capaz de pôr termo à escravatura mantida durante alguns séculos pelas sociedades de exploração e de tirania; mas é indispensável uma reconsideração ideológica que tenha em conta o pensamento e a ação revolucionária.

À sociedade capitalista traça o seu caminho. É a mais acabada de todas as sociedades baseadas na escravização do homem pelo homem que o Mundo até agora conheceu. Mais do que qualquer outra, ela tem desenvolvido os instrumentos de produção, a ciência, a cultura, o consumo geral e mesmo a liberdade, nos limites em que pode ser útil a uma minoria de exploradores. Tem fustigado o Mundo em busca de matérias-primas e de mercados, introduzindo por todo o lado as suas relações económicas; fez aumentar numericamente o proletariado e concentrou a propriedade num número de mãos cada vez mais reduzido ou mesmo nas mãos do Estado, alargando assim, mais do que as sociedades precedentes, a separação entre a capacidade de trabalho natural ao homem e os instrumentos de trabalho que são necessários ao exercício dessa capacidade. Por isso, o próprio mecanismo do capitalismo levou a criar as condições materiais e humanas necessárias para a aniquilação de toda a sociedade de classes. Noutros tempos, os escravos de Spartacus, os servos das «jacqueries» ou os «sans-culottes» do século XVIII revoltaram-se por não terem outra saída que não fosse a de serem esmagados ou colocar no poder uma nova classe de opressores. Hoje, o proletariado tem ao seu alcance a possibilidade de triunfar em cada país, em todos os lados, e conduzir assim à emancipação da humanidade. Para fazer isso, deve tomar conta dos instrumentos de trabalho de que se viu sempre afastado, restabelecer a unidade entre o homem e a natureza — garantia de toda a liberdade — e aniquilar o Estado. Mais do que nunca, a revolta do proletariado será a revolta da humanidade. Se se fracassar nessa tarefa, o futuro da humanidade será muito provavelmente o extermínio pelas armas atómicas e, em todo o caso, uma nova servidão durante um tempo indefinido.

O capitalismo dissimula a sua degradação propagando nas classes médias a ilusão de um ponto alto na sua própria «planificação». Este artificio não pode mascarar a verdade; na degenerescência que a compromete no caminho da barbárie, a sociedade capitalista é orientada para o totalitarismo, expressão da concentração crescente do capital nos grandes «trusts» e no Estado; este processo está já em vias de se cumprir ou plenamente cumprido nos principais países do Ocidente e do Oriente, bem como nos países atrasados do chamado «Terceiro Mundo». Faz-se acompanhar por uma diminuição relativa do nível de vida das massas trabalhadoras, por uma queda vertical do seu consumo em relação ao produto do seu trabalho, por uma aceleração inesgotável do ritmo desse trabalho pela imposição do salário à tarefa, que coloca os operários na obrigação de cumprirem algumas horas suplementares. No domínio político, esse processo duplica-se através de uma ditadura militar, clero-policial, ou fascista, ou de um partido único neo-reacionário, que se pretende como a incarnação do «Espírito Santo» das massas. Em todos estes casos, produz-se a supressão mais ou menos das liberdades fundamentais e a degradação da cultura.

Semelhante totalitarismo apoia-se na acumulação do capital e numa industrialização ainda mais reacionária porque planifica a não-satisfação das necessidades, a repressão e a sistemática «lavagem de cérebros». E pode ter como ponto de partida os velhos partidos burgueses. Neste caso, o pseudo-liberalismo dá lugar a um autoritarismo não-disfarçado, que priva a classe operária dos seus direitos mais elementares. Pode igualmente resultar da justaposição desses antigos partidos e de novos elementos reacionários num aparelho de partido único que se confunde com o Estado e coloca os interesses do capitalismo, enquanto sistema, acima dos interesses burgueses considerados individualmente. O fascismo e os regimes de inúmeros países novos fazem parte dessa categoria. Mas a forma do totalitarismo mais acabado é incontestavelmente o estalinismo. Dentro dele, o Estado, único proprietário dos instrumentos de produção, 6 diretamente constituído pela burocracia ex-operária tornada um «capitalista coletivo», exercendo arbitrariamente todo o poder e impondo as normas de como cada qual deve pensar.

Seja sob que forma for, a sociedade capitalista já não pode oferecer à humanidade mais do que um futuro de miséria, de coação económica e policial, de regressão social e cultural e, à mistura, a guerra atómica. Embora as forças produtivas tenham atingido um nível inesperado, o seu desenvolvimento 6 refreado permanentemente pela forma de capital (privado, «trust» internacional ou de Estado) que hoje se revela por toda a parte. Esse sistema é irremediavelmente dominado pela contradição existente entre a capacidade real ou potencial das forças de produção e as possibilidades de absorção do mercado, cada vez mais comprimidas pelos assalariados. Mas não desagrada àqueles que falam de uma nova revolução industrial, de uma economia da abundáncia (affluent society), da integração da classe operária e outros soporíferos do tecnicismo, porque o desenvolvimento capitalista dos últimos decénios é tão raquítico e, sobretudo, devido à economia de guerra. Esta economia aumentou em terríveis proporções o número de homens afetados por ocupações parasitárias e desperdiça em armamentos quantias astronómicas, embora a parte do produto social que cabe aos trabalhadores diminua sem cessar.

Reside ai um dos imperativos do sistema, que a produção de guerra ter4 levado ao extremo: resulta dai um malthusianismo económico generalizado e uma lenta desagregação social, quase técnica. Assim, com a automatização ao serviço do capitalismo, o desemprego alarga-se também na Rússia tal como nos Estados Unidos, enquanto o esgotamento físico causa grandes males entre os trabalhadores que se empregam nesse setor4. Mesmo a astronáutica, glória e fanfarra publicitária dos grandes imperialismos, se animou com desejos homicidas. Por cada Gagarine, por cada Glenn, alguns milhões de homens sofrem durante horas intermináveis, a maioria deles sem poder satisfazer verdadeiramente as suas necessidades mais elementares.

Portanto, que os trabalhadores se apoderem do aparelho de produção, que eles o coloquem em proveito do conjunto da humanidade, abolindo simultaneamente o capital e o trabalho assalariado e um esforço técnico e cultural hoje inconcebível tornar-se-á então possível, mesmo nas zonas mais atrasadas. No domínio económico como no domínio cultural, as necessidades de cada individuo, e as do conjunto da sociedade, não conhecem limites. Dar-lhes livre curso é o objetivo inseparável da supressão das classes e do Estado que deve caracterizar, desde o momento do seu triunfo, a revolução socialista. Desde os primeiros passos, a sociedade de transição, que nascerá dessa vitoria, deverá dirigir-se para esse objetivo. não se deverá perder de vista, mesmo por um só instante, a interdependência estreita que existe entre a produção e o consumo. Na sociedade atual, o lucro que se instala, desde a primeira fase da produção até à Ultima fase do consumo, reduz tanto um como outro. Quando o consumo é diminuto, o lucro e a produção baixam — são essas as crises consideradas erradamente de «super-produção» —, mas aumentam pelo contrário se a procura excede a oferta da mercadoria. Mas o consumo das massas vê-se sempre reduzido pelo desperdício feito com os exércitos, as policias, as burocracias e toda a espécie de atividades parasitárias, ao mesmo tempo que está estritamente limitado pela lei do valor que atribui um preço ao trabalho e ao produto deste, incluindo os conhecimentos científicos e a cultura em geral. À determinação do preço do trabalho pelo Estado agrava a situação do operário, porque o deixa sem defesa diante do capital. Na sociedade de transição, o lucro, sob qualquer forma, deve ser eliminado, mesmo sob a forma dos elevados salários que é suscetível adotar. Sendo o objetivo de uma verdadeira economia planificada harmonizar a produção e o consumo, apenas a plena satisfação deste último —e não o lucro ou os privilégios, nem as exigências da «defesa nacional» ou de uma industrialização estranha às necessidades quotidianas das massas — deve ser considerado como escalão de produção. À primeira condição de uma tal tentativa não pode ser, pois, mais do que o desaparecimento do trabalho assalariado, pedra essencial da lei do valor, universalmente presente nas sociedades capitalistas, embora um certo número dentre elas se considerem hoje como socialistas ou comunistas.

Toda a economia pretensamente planificada que não tem em conta as necessidades vitais das massas, encontra-se por esse facto orientada na satisfação das necessidades de uma minoria exploradora e dominante que impõe à sociedade as normas capitalistas mais draconianas, constituindo-se assim numa espécie de Estado policial. Deriva de uma economia dirigida e, quaisquer que sejam os seus êxitos industriais, contribuirá somente para colocar a humanidade no caminho da reação e da decadência. Os papalvos admiradores das chaminés gigantescas e dos índices de produção, estão impregnados pelo principio fundamental da acumulação como forma alargada do capital. O socialismo cientifico, tal como Marx e Engels o conceberam e tal como as necessidades humanas o exigiam, não conhece outro imperativo que não seja o do individuo, a começar pelo trabalhador: a sua satisfação concreta, a sua liberdade, a plena afirmação das suas faculdades. É preciso abominar como a peste aqueles «que colocam a sociedade acima do individuo» (Karl Marx).

Estalinismo contra Socialismo

A tarefa histórica do proletariado não pode ser a transformação da propriedade individual em propriedade do Estado. O simples desaparecimento de produção não oferece em si nenhuma vantagem na orientação da economia para 0 socialismo e a desalienação da humanidade: «Abolição da propriedade privada e comunismo não são de modo nenhum idênticos» (Karl Marx). Com efeito, a revolução social deve levar a cabo a socialização dos meios de produção € a abolição do assalariado. Não se trata de duas tentativas diferentes ou sucessivas, mas de dois aspetos de uma mesma transformação. É a propriedade como meio de submeter o homem ao trabalho assalariado que deve desaparecer antes que se possa falar de socialismo. Porque este deve ser a organização da produção por e para os produtores. Ou os instrumentos de trabalho reverterão a favor do conjunto da sociedade ou o Estado proprietário, longe de enfraquecer ou de desaparecer, contribuirá apenas para aumentar a distáncia existente entre a forma capitalista da economia e a necessidade existente entre a forma capitalista da economia e a necessidade do comunismo, desenvolvendo sempre monstruosamente as suas características ditatoriais.

Nesse sentido, a Revolução Russa constitui para o proletariado mundial uma advertência decisiva e a contra-revolução que a suplantou é a mais cruel lição: a degenerescência da revolução foi facilitada em 1917 pela estatização dos meios de produção que uma revolução operária deve socializar. Apenas a extinção do Estado, tal como a empreendia o marxismo, permitiria transformar em socialização a expropriação da burguesia. Ora, a estatização confessou-se como o estribo da contra-revolução.

Este erro dos bolchevistas explica-se sobretudo pelas características da Revolução de Outubro, porque esta não foi, ao contrário do que pensa certa opinião errada, uma revolução socialista, mas uma revolução permanente, segundo as conceções expostas por Trotski nos livros 7905 e A Revolução Permanente e por Lenine nas Teses de Abril: tomada do poder político pelo proletariado, aniquilação da sociedade czarista semi-feudal, quase tribal, entrada em prática pelo proletariado das medidas da revolução burguesa não realizada e adesão, sem solução de continuidade, às medidas socialistas. Além disso, o triunfo da revolução social noutros países europeus, beneficiando de um maior desenvolvimento económico e cultural, era considerado como indispensável para que a revolução permanente russa pudesse aceder com êxito à fase de transição para o comunismo. De facto, os bolchevistas tentaram ultrapassar o seu programa inicial, introduzindo na distribuição dos produtos e, por consequência, na produção, certas relações não-capitalistas: foi esse o «comunismo de guerra», aludindo a palavra guerra à exiguidade dos recursos mais ainda do que à guerra civil. O próprio Trotski afirmou, no seu livro Do Outubro Vermelho ao Meu Afastamento, que o comunismo de guerra visava objetivos económicos mais vastos do que os das exigências militares em face da reação. O malogro desta tentativa, devido à queda vertical da produção (3 % abaixo da de 1913), provocou o regresso ao sistema mercantil que recebeu a designação de «Nova Política Económica» (N.E.P.).

O estado de espírito dos camponeses convertidos em proprietários pela revolução foi, em certa medida, responsável por este abaixamento da produção, para o qual contribuiu também a guerra Civil, mas a causa principal residia na mentalidade burguesa das camadas sociais médias, cujas funções eram indispensáveis à atividade produtora: pequena burguesia, técnicos, burocratas instalados nos sindicatos, nos organismos administrativos de toda a espécie, nos sovietes e até no partido bolchevista. Dando toda a liberdade ao comércio capitalista, a N.E.P. confirmou definitivamente a aliança das antigas camadas burguesas, que tinham sabotado a revolução, com os burocratas e os ex-revolucionários que a olhavam na verdade como um pau de sebo. Da sua fusão com o Estado devia nascer a casta dominadora que se intitulava a si mesma, orgulhosamente, como a intelligentzia.

Lenine, que não podia ter senão uma noção parcial da ameaça burocrática, definia contudo O Estado, ainda soviético, como um «Estado burguês sem burguesia. No seu espírito, a N.E.P. e o capitalismo de Estado que ela estabeleceria não era mais do que a pior hipótese momentânea e um passo dado atrás, esperando a retomada do processo de revolução mundial. A única garantia de uma futura socialização da economia que permanecia era a de se conservar o poder efetivo pelos sovietes5 . Com efeito, esse projeto de um capitalismo de Estado politicamente dominado pelo proletariado era irrealizável mesmo sem considerar outra coisa que não fossem as relações de força na sociedade pôs-revolucionária. À «tendência da pequena burguesia para transformar os delegados aos sovietes em parlamentares ou em burocratas», denunciada por Lenine em 19186, estava desde então muito largamente afirmada. Em todos os escalões administrativos e políticos, os revolucionários e o proletariado eram ultrapassados pelas antigas camadas sociais intermédias e pela nova burocracia. O Estado definido por Lenine não ia permanecer durante muito tempo «sem burguesia»: uma poderosa casta burocrática estava em vias de se constituir e iria organizar, simultaneamente e em seu proveito, o capitalismo de Estado e a contra-revolução.

A N.E.P. marca o ponto de paragem da revolução permanente que nunca chegou a exceder, apesar da tentativa do «comunismo de guerra», a fase do exercício do poder político pelo proletariado e do controlo operário da produção—medida democrático-burguesa que, segundo a conceção bolchevista, devia inaugurar a gestão operária da produção e do consumo, característica da revolução social. Em vez da progressão revolucionária sem solução de continuidade, começou um retrocesso termidoriano, que suprimiu uma apôs outra as conquistas operárias, até a própria imagem dos sovietes, e culminou depois na contra-revolução.

O terreno de convivência e de aliança entre as camadas burguesas da população e a nova burocracia instalada nos organismos de origem revolucionária foi a liberdade capitalista do comércio: concentração dos indivíduos e bem assim dos seus interesses. Esta mistura detentora do poder e das riquezas, acabaria por ser utilizada e mostrar-se excessiva. Foi essa a origem do estalinismo; soube aproveitar-se da grande penúria de viveres que tornava difícil a atividade política do proletariado e dos revolucionários. Aproveitou também o pretexto da derrota de diversas tentativas insurrecionais na Europa, como na realidade lhe convinha. E isso atiçou e estruturou o seu enorme trabalho contra-revolucionário na Rússia e no Mundo — trabalho ainda inacabado —, revelou-se conjuntamente com a estatização da propriedade e do partido único, sem facçoes internas, «monolítico», segundo a nova terminologia reacionária. Da liberdade mercantil, o estalinismo passou à centralização do comércio e dos investimentos de capitais que constituiu sempre a base dos seus planos económicos.

À conceção revolucionária da planificação económica tem como ponto de partida o desaparecimento do trabalho assalariado, que é ao mesmo tempo condição e prova da supressão do capital. Os projetos de produção e de industrialização devem inspirar-se unicamente nas necessidades sociais do consumo e, em primeiro lugar, elevar o nível de vida das classes exploradas sob o capitalismo, a começar pelas camadas mais pobres. Apenas neste caso o trabalho não-pago, que constitui a mais-valia, reverterá a favor da sociedade por inteiro: a exploração desaparecera e atingir-se-á o comunismo e a desalienação do Homem.

À própria classe operária deve decidir, através de comités democraticamente designados só para esse efeito, que quantidade de trabalho deve ser afetada nos novos instrumentos de produção (o que hoje constitui o capital constante) e qual o alargamento imediato do consumo (o que constitui hoje o capital variável, o racionamento pelo salário). A planificação socialista é uma mudança muito radical do funcionamento da economia. Os homens que, neste momento, no bloco norte-americano ou no bloco russo, estão submetidos à produção de capital constante sob a forma de máquinas, devem colocar estas inteiramente ao seu serviço e não produzir nada que lhes seja estranho. E se por acaso alguns comités operários, legitimamente eleitos, colocarem a industrialização acima das exigências quotidianas de consumo da sua própria classe, eles não farão mais do que prestar um bom serviço ao capitalismo e perpetuar a exploração.

Os planos de produção russa — como os de todos os seus imitadores — estão em oposição com a conceção revolucionária da planificação. Inspiram-se numa acumulação do capital, cujo modelo é a análise da sociedade capitalista feita por Karl Marx, e determinados em pormenor segundo a taxa de produtividade mais alta possível por cada categoria e a remuneração mais baixa possível da mão-de-obra. O excesso de exploração que dai resulta seria impossível sem a centralização total dos capitais no Estado, como patrão exclusivo, legislador do preço e da mão-de-obra, da mercadoria «homem», não dispondo este jà da liberdade de negociar a sua própria venda ao capital. Eis como e porquê a expropriação da burguesia em 1917, em vez de abrir o caminho ao socialismo, cedeu o lugar à forma mais brutal da exploração do homem pelo homem: o capitalismo de Estado.

Para organizar o seu capitalismo de Estado, a contra-revolução estalinista aproveitou a miséria material e mental da velha Rússia, agravada por oito anos de operações militares. Apesar disso, pôde exterminar politicamente, e da maneira mais abjeta que se possa imaginar, toda uma geração revolucionária, antes de consolidar solidamente a sua forma de dominação. Os grandes processos de Moscovo, em 1936-1938, e os massacres ou a deportação para a Sibéria de todos aqueles que permaneciam fiéis à Revolução de Outubro, não têm qualquer equivalente nos anais das contra-revoluções, nem mesmo nas ditaduras hitleriana ou franquista. Revelam uma consciência reacionária e uma ferocidade que constituem um dos mais terríveis perigos para o proletariado internacional. Desde então, e mesmo antes, o poder russo — posta de lado a sua concorrência imperialista com as potências ocidentais e paralelamente a estas — teve por objetivo fundamental evitar qualquer revolução social no Mundo ou esmaga-la por intermédio dos seus partidos nacionais, impondo o capitalismo de Estado sob a designação de socialismo. As provas de apoio a esta afirmação abundam em excesso, desde a revolução espanhola até ao triunfo de Mao Tsé-Tung e à entrada dos tanques russos em Budapeste, sem se desprezar a rápida cristalização reacionária do poder castrista.

Em suma, a contra-revolução estalinista constitui o acontecimento negativo mais grave do nosso século. Graças a ela e à ação dos seus partidos vassalos, o proletariado sofreu derrota sobre derrota e encontra-se na desordem mais completa, à mercê de toda a força que se abaterá sobre ele. Aqueles que dão o seu apoio a esta contra-revolução, independentemente das razoes que invoquem, representam o inimigo da classe; aqueles que a consideram apenas como uma distorção política dos objetivos revolucionários representam em relação a ela o papel do antigo reformismo relativamente ao capitalismo em expansão.

Por consequência, para a criação de uma organização operária da revolução mundial, é necessário exigir de todos os grupos e indivíduos uma rutura prévia com o estalinismo, nas bases que a seguir se indicam:

  1. Modelada pela contra-revolução estalinista, a economia russa é um capitalismo de Estado e imperialista, do mesmo modo que a economia rival norte-americana;

  2. Esse capitalismo não pode ser orientado num sentido proletário por nenhuma medida, nem mesmo por qualquer revolução que se mostre exclusivamente política, mas pode apenas ser abolido por uma revolução social baseada na destruição de todas as instituições atuais, incluindo o partido ditador e a propriedade de Estado;

  3. Em parte nenhuma o estalinismo pode ser entendido como um movimento operário oportunista ou reformista, mas necessariamente como contra-revolucionário: comporta em si o capitalismo de Estado e à destruição das liberdades operárias indispensáveis à organização do verdadeiro socialismo;

  4. A sua política de «união nacional» desvenda a sua verdadeira natureza. Socialmente idêntica à da antiga burguesia, mas politicamente mais pérfida, defende para o estalinismo a direção suprema, económica e política, do capital em cada pais. À Declaração de Moscovo dita dos 81 partidos mal consegue dissimular isso mesmo.

Por consequência, os revolucionários veem no estalinismo um inimigo de classe e consideram toda a coligação ou aliança com ele como um abandono da causa proletária ou até mesmo como uma traição.

À «destalinização» de Khrustchev, cümplice de Estaline no assassinio dos bolchevistas em 1917, visa no melhor dos casos consolidar o estalinismo, aperfeiçoando-o como sistema. À legalidade «soviética» de que falam os continuadores de Estaline é a da sua burocracia capitalista. Ao proletariado só lhe resta desmantelar essa legalidade e empreender a criação da sua própria. Mesmo a liberdade de expressão, de organização, de imprensa, etc. —não são mais que a reabilitação de Trotski e de outros revolucionários executados — que a burocracia poderia ver-se obrigada a permitir, em nada mudariam o Capitalismo de Estado, obra essencial da contra-revolução estalinista.

Finalmente, existe uma ligação política, tanto tácita como explicita, entre o capitalismo ocidental e a contra-revolução estalinista, desde os primeiros sintomas desta. Os serviços que mutuamente prestaram entre si são inúmeros. O capitalismo ocidental deve a sua longevidade e a sua prosperidade à contra-revolução estalinista e esta última deve-lhe a sua consolidação e extensão7. Depois dos pactos de Potsdam, Washington e Moscovo, passaram a reconhecer-se mutuamente como os chefes da ordem mundial, apesar da sua rivalidade pela dominação. A ideia do regresso do proletariado ao poder na Rússia, amedronta o capitalismo norte-americano, mas a casta dirigente russa não se mostra menos aterrorizada pela perspetiva, infelizmente pouco provável no plano imediato, da revolução social nos Estados Unidos.

Imperialismo e Independência Nacional

À relação imperialismo-colónias constitui a trama sempre mais apertada do mercantilismo mundial e revela-se tão insuperável como a relação fundamental entre capital-exploração do trabalho assalariado/capital aumentado. Uma e outra apenas se alteram desde há algum tempo pela sua própria exacerbação, tornando a dissociação entre o conjunto do sistema mundial e as necessidades humanas cada vez mais evidentes.

Desde o fim da última guerra, muitas das colônias conquistaram a sua independência, outros países suportaram guerras internas para a obter, em todos os lados se fala de «descolonização», de «industrialização dos países subdesenvolvidos», de «revolução nacional» e outros «slogans». Ao mesmo tempo, a Rússia apoderou-se de nove países na Europa8, de metade da Coreia e do Vietname na Ásia, onde a vasta China viu a sua soberania nacional mais reduzida do que no tempo das «concessões» estrangeiras; de resto, em grande parte do Mundo a tutela dos Estados Unidos continua a fazer sentir-se mesmo sobre as nações mais antigas e mais fortes. Não se trata em todos esses casos de um só e mesmo processo de reajustamento do planeta às forças imperialistas, tal como foram reestruturadas apôs a guerra de 1939-1495.

Concedida pela potência colonizadora ou adquirida pelas armas, a independência nacional não implica de modo nenhum a rutura com o imperialismo, mas pelo contrário faz com que este se mostre diante de uma luz mais clara, na sua mais pura complexidade de alcance económico. De facto, chegamos a um ponto em que o trabalho e os conhecimentos de inúmeras gerações se encontram centralizados, apôs múltiplas espoliações militares e mercantis, em gigantescos instrumentos de produção que são principalmente comandados pelos Estados Unidos e pela Rússia. Tendo esses instrumentos o mesmo carácter capitalista nos dois países, a rotação da economia em todo o Mundo processa-se necessariamente em redor desses respetivos centros. Encarado ao contrário, este argumento revela o valor de uma demonstração: basta que a rotação económica de um ou de diversos países tenha como eixo outro pais para comprovar a natureza capitalista do eixo e do satélite. Porque os países não podem, tal como os indivíduos, subtrair-se aos imperativos da acumulação do capital sem suprimir o capital.

Quanto mais importantes e decisivas são as descobertas técnicas (automação, cibernética, energia nuclear para fins vantajosos ou mortíferos, química industrial e agrícola, etc.), mais terrível se mostra o peso da Rússia e dos Estados Unidos sobre os países de todo o Mundo, amigos ou inimigos, mas em primeiro lugar sobre os amigos. O antagonismo militar entre os dois blocos sobrepõe-se aos fatores económicos e técnicos para consolidar a tarefa do imperialismo e estende-lo sobre os territórios que pareceriam esquecidos sem essa intensa preparação para a guerra. Em suma, pelo seu enorme volume como pela alta especialização cientifica das suas instalações industriais, os capitais americanos ou russos não podem auxiliar seriamente uma economia nacional sem a escravizarem. À ocupação militar e administrativa própria do regime colonial confessou-se como um sinal de fraqueza económica por parte das metrópoles. Tal como à escala nacional o capitalismo baseia a sua dominação sobre o monopólio dos instrumentos de trabalho, colocando à sua mercê as classes trabalhadoras, e transforma em escriturário os pequenos burgueses, à escala internacional o seu pleno papel imperialista apenas é alcançado pela drenagem da mais-valia em relação aos capitais mais fortes. Porém, é necessário compreender capitais no sentido mais amplo de capacidade industrial e técnica, melhor ainda do que na aceção puramente financeira. À sujeição das fracas economias às economias fortes faz-se assim por via «natural», existindo a principal coação, inseparável do sistema, no acréscimo do capital investido em cada ciclo de produção.

À subordinação dos países subdesenvolvidos permanecerá sempre proporcional ao auxilio que as grandes potências lhes forneçam, sem que o atraso económico dos primeiros em relação aos segundos deixe de aumentar. E a independência nacional acelera esse movimento pela associação voluntária dos exploradores locais que, aproveitando sempre as imundas ilusões tradicionais do patriotismo, se tornam os precursores do grande capital imperialista. À força deste atualmente não é muito para recear, nem mesmo a nacionalização das suas propriedades pelos países «soberanos». «A expropriação dos imperialistas» faz regressar por fim a sua divida aos imperialistas pelo jogo do comércio e dos investimentos em todas as camadas da produção mundial, continuando sempre a consolidar o encadeamento dos fracos em relação aos fortes. não é impossível que um pais passe de uma férula imperialista a outra, mas a lei de bronze da economia capitalista apenas pode ser esmagada pela supressão da mercadoria, a começar pela sua origem, pelo trabalho assalariado que torna o homem, por toda a parte e em todo o Mundo, um ser enfraquecido, presa fácil de demagogos nacionais e internacionais.

Os acontecimentos confirmaram a tese de Rosa Luxemburgo que negava, de acordo com Lenine, a possibilidade, sob o capitalismo, de um «direito dos povos disporem de si mesmos». E os argumentos que Lukacs9 opôs a essa tese revelam-se marcados por um reformismo dirigista. Os de Lenine oferecem sobretudo um carácter tático muito ultrapassado neste momento. Na medida em que recebeu força de lei esse direito foi exclusivamente o dos exploradores autóctones poderem escolher o seu próprio imperialismo para esmagar os trabalhadores à sua vontade.

Evidentemente que não é agora a altura de desenvolver o capitalismo em parte nenhuma, mas de o fazer desaparecer por toda a parte. O crescimento mundial do aparelho imperialista moderno leva o proletariado a empreender a sua ação à escala planetária, tanto nos países atrasados como nas colónias e metrópoles, sempre no terreno da revolução social e nunca no da nação capitalista. À ação revolucionária deve fundamentar-se sobre o direito dos explorados disporem de si mesmos, destronar o capitalismo e a nação e comprometer-se numa economia socialista internacional.

À «revolução nacional», a industrialização dos países subdesenvolvidos, o papel «progressivo» do Terceiro Mundo, etc., são outros tantos engodos reacionários. Apenas podem prestar serviço a cada bloco imperialista contra o seu adversário. Sem a revolução social não se pode ir senão da Orbita de Washington à de Moscovo, ou inversamente, como se prova pelos casos de Cuba sob Castro e da Jugoslávia. Mesmo uma guerra como a da Argélia, a propósito da qual toda a esquerda francesa, incapaz de tomar o partido da revolução social na Argélia e na França, fez as suas piruetas ao som da música tocada em Moscovo, ou no Cairo, revela-se como obra da guerra fria. Se assim não fosse, os fanfarrones da F.L.N. nunca teriam abandonado o seu papel de pupilos do imperialismo francês para adotar o de heróis nacionalistas. Instalados no poder, eles não poderão em caso nenhum comportar-se de outro modo que não seja como societários em comandita do capital ocidental ou oriental. Saberão substituir os «pieds-noirs»10.

Todas as dúvidas chegaram a o seu termo, todas as evoluções económicas e políticas do Mundo atual chegou ao seu ponto de refluxo. É por isso que a industrialização e as descobertas técnicas não podem já encontrar, sob a forma capitalista, nas colónias como nas metrópoles, mais do que uma aplicação bastante restrita e reacionária, que a cultura e a liberdade recuam diante das propagandas embrutecedoras e as exigências policiais de um sistema apodrecido; algumas organizações que ainda se afirmam comunistas por uma hipocrisia odiosa, são na realidade ultra-capitalistas e inspiram-se na mais pérfida consciência contra-revolucionária; é assim que as massas dos países atrasados abusaram em beneficio da preparação da guerra, quando poderiam ser um fator de primordial importância na destruição do imperialismo americano e russo.

Proclamemos: toda a luta nacional é reacionária — colónia ou metrópole, Rússia ou Estados Unidos, os explorados devem ter somente como objetivo imediato e universal o combate pela tomada do poder, a expropriação do capital privado ou de Estado, a socialização internacional da produção e do consumo.

Revolução o Guerra Imperialista

Desde 1914, as forças de produção, o potencial humano e a cultura atingiram o nível necessário para à concretização da revolução socialista. Uma grande alternativa se apresentava à humanidade e em particular ao proletariado: revolução ou guerras continuas, supressão do capitalismo ou decadência e queda na barbárie. De facto, duas guerras exterminaram dezenas de milhões de homens e destruíram o trabalho de diversas gerações, apenas com o objetivo de impor ao Mundo a dominação de um dos blocos esclavagistas. Por duas vezes, em menos de trinta anos, os governantes dos países beligerantes apelaram para que as suas populações efetuassem o massacre das dos países «inimigos», em nome da liberdade, da civilização, do direito e do bem-estar futuro, prometendo oferecer amanhã, à maneira de todas as religiões, o que eles não aceitam dar hoje. Para estabelecer um novo equilíbrio mundial, os aliados de ontem mostram-se uma vez mais dispostos a desencadear uma nova carnificina que, agora, pode conduzir à aniquilação da espécie humana.

Para as massas trabalhadoras, a guerra representa o mais terrível dos flagelos: afastadas para bem longe dos seus objetivos de classe, são obrigadas a combater pela defesa dos privilegiados de cada pais beligerante. Contrariamente ao que a propaganda burguesa e social-democrata faz crer, bem como a reação fascista ou estalinista, nunca existe qualquer interesse nacional coletivo, mas apenas interesses de classe, sendo os do proletariado os únicos que se confundem com os da humanidade.

À guerra — por vezes só a sua simples ameaça —, acentuando a miséria das classes exploradas e a supremacia militar, provoca uma regressão social generalizada, propicia a todas as iniciativas reacionárias. Mas os governos, ocidentais e orientais, não podem evitar a guerra, porque ela está englobada no mecanismo do seu sistema. Nem sequer pode ser evitada pelos movimentos pacifistas, sempre impotentes. É necessário desenraizar a causa, ou seja, o capitalismo. Lembremos que se os proletários dos dois campos tivessem em 1914 atacado os seus próprios governos em vez de pactuar com eles, a humanidade teria evitado cinquenta anos de calamidades, de opressão e de conflitos. Mas os dirigentes operários, colocando-se ao lado dos exploradores, conduziram à guerra nos dois campos e impuseram assim à classe operária O dilema reacionário da destruição de um grupo de países em proveito de outro. O proletariado sofreu assim uma grave derrota e deu-se um tremendo recuo ideológico. À ação internacionalista de Lenine, de Trotski e de uma parte dos bolchevistas, permitindo a vitória da Revolução Russa, voltou a colocar nos seus termos exatos o dilema histérico da humanidade, obrigando novamente os povos a apoderar-se da economia e do poder político.

É incontestável que a traição dos lideres da Internacional Socialista teria apenas um alcance bastante restrito se a Revolução Russa não acabasse por ser também traída alguns anos depois do seu triunfo. Mas muito antes de 1939, a Terceira Internacional e o governo do Kremlin rejeitaram o dilema posto pela evolução histórica e tornaram sua a alternativa colocada pela reação. À Frente Popular não tinha feito ainda o seu aparecimento oficial, embora a sua política, cuidadosamente apontada para a guerra, tivesse apenas como objetivo essencial paralisar a ação revolucionária do proletariado. Portanto, graças aos partidos «comunistas» ligados a Moscovo, uma orientação chauvinista e reacionária foi ainda imposta às massas. Ao lado das potências do Eixo contra «a plutocracia anglo-americana» (pacto germano-soviético de supressão da imprensa estalinista de língua alemã), como ao lado desta última «contra o fascismo» (participação na guerra no Campo das «democracias» e resistências nacionais), o Kremlin e os seus partidos não saiam afinal do campo imperialista. À catástrofe assim provocada entre as massas do Mundo inteiro não pode comparar-se a nenhuma outra. Permanece como a causa principal da atual desmoralização dos proletários, tornando-os facilmente manejáveis pelos aparelhos estalinistas, clericais ou militares.

Tal politica permitiu à contra-revolução russa tornar-se a segunda potência imperialista do Mundo, não sem o apoio material e moral da primeira. Mas à humanidade valeu-lhe a divisão do planeta em duas zonas de influência, a falsa propaganda de «coexistência pacifica» que se traduz praticamente pela «guerra fria» e o equilíbrio do terror permanente.

«Coexistência» ou guerra fria são na realidade O avesso e o direito de uma única estratégia dúctil, suscetível de se aventurar em certas hostilidades locais ou de se contentar por algum tempo com a delimitação de zonas de influência incontestadas, ou de se lançar mesmo na extrema decisão militar, segundo os imperativos da expansão, as exigências políticas internas ou mesmo segundo as confidências dos espiões dos seus serviços secretos. De qualquer modo, e apesar da atenção que as armas termo-nucleares impõe aos dois gigantes, ao equilíbrio do terror sucederá a desintegração de parte da humanidade ou talvez mais, se porventura as massas não atuarem a tempo.

Cume da exploração do homem pelo homem, luta de classes permanente e legal, o capitalismo revela militarmente, da forma mais indesmentível e mais terrificante, a sua completa caducidade enquanto sistema e a sua incompatibilidade com as necessidades imediatas e as aspirações dos homens. Pelos instrumentos de guerra, cuja capacidade mortífera se estende muito para là dos homens e dos primatas, até à vida orgânica rudimentar, hipostasia-se a forma capitalista dos instrumentos de produção que, impregnando as relações sociais em geral, abafa pouco a pouco a humanidade, mesmo supondo que a paz se prolongue eternamente. À solução para este dilema é urgente: acabar com a sociedade atual ou deixa-la degenerar.

Em tais condições, os congressos ou movimentos «para a paz», animados pelos representantes ou os amigos de um ou de outro bloco, são na verdade uma mercadoria de guerra, senão mesmo uma direta arregimentação da classe operária. O internacionalismo proletário reclama a ação simultânea contra o bloco americano e o bloco russo, não em favor da paz entre eles, statu quo reacionário, mas contra as suas respetivas estruturas capitalistas, fonte da sua rivalidade para a exploração hegemónica do Mundo. E esta tarefa torna-se impraticável sem expor ao desprezo, nas assembleias e na imprensa revolucionária de todos os países, mesmo dentro das fábricas, os últimos defensores dos dois principais exércitos imperialistas. O derrotismo revolucionário não se encontra em perigo como pretendem afirmar certos inovadores que nada avançam; pelo contrário, a sua necessidade faz-se sentir em plena paz e excede mesmo o domínio económico. O principal inimigo continua a ser sempre o que está dentro do nosso próprio pais, mas em quase todos se pode e se deve afugentar também os defensores do imperialismo exterior.

Em face do equilíbrio do terror, torna-se urgente postular o direito dos trabalhadores de todos os países — direito elementar de conservação da vida, para la do qual qualquer outro direito se torna uma ilusão — reclamarem e porem em execução o desmantelamento de todas as fábricas e indústrias de guerra, atómicas ou clássicas, dissolver os exércitos e eliminar as fronteiras.

O proletariado norte-americano poderia contribuir decisivamente para criar um movimento mundial nesse sentido, abrindo uma brecha no totalitarismo, que encadeia a ação possível dos trabalhadores russos, chineses, etc. Mas é indispensável que a sua força mais consciente comece por condenar sem equívocos o seu próprio imperialismo e empreenda com entusiasmo esta tarefa. Desse modo, os revolucionários estariam por toda a parte em melhor posição para organizarem a confraternização com o proletariado do outro bloco, forçando se fosse necessário — e talvez o seja — o próprio cordão policial.

As Perspetivas Marxistas

Nos velhos países capitalistas, o Estado, a policia, as leis, os tribunais centralizam e representam os interesses do conjunto dos capitalistas individuais. Na Rússia estalinista, o Estado é o único explorador; encontram-se ai centralizados a propriedade e a exploração de tipo capitalista, tal como a policia, o exército e os tribunais. O aparecimento de um regime totalitário tão perfeito não estava nas perspetivas de Marx e de Engels, cujo ponto de partida era o desenvolvimento do capitalismo, a sua aniquilação e a sua ultrapassagem em função das necessidades revolucionárias internas. À sua analise e as suas perspetivas, situando-se na época em que o capitalismo iria atingir o apogeu, não lhes permitiam discernir os aspetos específicos do seu declínio. O desenvolvimento considerável do movimento operário, nos últimos anos da sua existência, podia além disso dar-lhes a esperança de que o partido revolucionário do proletariado destruiria a sociedade capitalista no momento em que esta deixasse de ter um valor positivo no conjunto da humanidade.

Se Marx e Engels consideraram por vezes a revolução socialista como inevitável, a verdade é que nunca a empreenderam como um processo automático. No entanto, as suas afirmações relativas ao carácter inelutável do socialismo deram a muitos «marxistas» pretexto para mecânicas conceções estranhas ao espírito revolucionário. No centro destas conceções está a ideia segundo a qual a centralização económica permanece como um sinal de evolução positiva do capitalismo, senão mesmo o principio do socialismo. Ora, a experiência demonstra que a concentração do capital, outrora fator progressivo da evolução social, se reveste de um carácter reacionário para lá de certo limite. Este limite não poderia ser fixado através de números porque é determinado por outros fatores, tais como o nível cultural e político, o grau de liberdade ideológica e económica consentido às massas e a maturidade geral da sociedade, a que se poderia chamar «a idade» do sistema. Uma vez atingido este limite de progressividade (e quem poderá duvidar que ele está já atrás de nôs?), a sociedade não pode progredir senão pela revolução e isto independentemente do grau de desenvolvimento ou de concentração de cada economia nacional. Sob pena de mergulhar na servidão, a intervenção consciente do homem deve romper com o automatismo da concentração tornada regressiva.

Teimar em ver na centralização dos meios de produção uma evolução positiva, conduz pelo contrário à conceção jà criticada, segundo a qual o desaparecimento da burguesia como classe possuidora e a estatização da economia constituem, na sociedade de transição, a base material de onde surgiria espontaneamente o comunismo, por muito pouco que os burgueses não reapareçam. Os «marxistas» que defendem tais teorias podem admitir, mais cedo ou mais tarde, como já vimos, que o estalinismo realiza, pelas nacionalizações, a tarefa essencial da revolução proletária. Isso significa não avançar muito em frente. As perspetivas de Marx relativas ao desenvolvimento do capitalismo estão confirmadas nas suas linhas fundamentais, mas alguns novos aspetos apareceram e caracterizam a época da decadência da sociedade capitalista. Com efeito, é hoje possível atribuir uma significação histérica ao capitalismo de Estado, a última das transformações provocadas pela concentração dos capitais, agindo sobre a propriedade individual como uma lei inerente ao sistema. Quer provenha do estalinismo, do nazismo, das democracias ocidentais ou do pan-arabismo, com as suas ressonâncias dignas dos filisteus bíblicos, a estatização concretiza e prolonga a tendência geral do capitalismo vislumbrada por Marx.

Na primeira fase do capitalismo moderno, a da economia liberal, a propriedade estritamente individual correspondia somente a o capital investido na empresa. À concorrência era de facto 0 que justificava a luta entre indivíduos capitalistas, num mercado tão restrito, que raramente ultrapassava a escala nacional. Engendrada pelo próprio desenvolvimento do seu maquinismo, a necessidade de investir somas cada vez mais consideráveis provocou a associação dos capitalistas individuais e, finalmente, o aparecimento da sociedade anónima, na qual são investidos grandes capitais, provenientes de uma multidão de capitalistas individuais, sem que estes intervenham realmente na sua gestão.

Na segunda fase, a do imperialismo, as sociedades anónimas agrupam-se em «trusts» e em grupos que regulam os preços em grande escala, travando sempre uma luta encarniçada pela conquista dos mercados e das matérias-primas. O Estado que na fase anterior assegurava um equilíbrio relativo entre os capitalistas, torna-se, na fase do imperialismo, o agente de execução dos «trusts» e dos grupos, em que os mais poderosos se esforçam por garantir o controlo. Reside ai o primeiro sinal de decadência da sociedade capitalista, caracterizada desde logo por uma enorme valorização e extensão da indústria de guerra.

A terceira fase, ou o capitalismo de Estado, é a consequência mecânica do processo anterior, que as guerras e as contra-revoluções aceleram. Não importa qual pais atrasado pode chegar ai, mas sabe-se que é levado apenas por interesses retrogradados, tal como as exigências revolucionárias mundiais lhe permitem aceder à revolução socialista ao mesmo tempo que os países mais industrializados. À Revolução Russa é inexplicável sem a maturidade mundial das ideias e da economia que permitisse empreender o socialismo. É também por isso, mas no sentido reacionário, que o estalinismo conseguiu diretamente o grau máximo de centralização e de exploração capitalista no Mundo.

Nesta terceira fase, não podendo os meios de produção conservar a sua estrutura apenas pelos cuidados dos proprietários individuais, eles são colocados sob a proteção do Estado, o representante supremo da exploração, «o capitalista coletivo ideal» (Engels), no qual acaba por se concentrar inteiramente a propriedade. Esta torna-se propriedade indivisível dos membros da camada social ou da casta que detém o poder político a tal ponto que perde — por exemplo, na Rússia — toda a espécie de relação com o investimento direto do capital por parte dos proprietários individuais. No antigo capitalismo, que neste momento quase desapareceu por toda a parte, o exercício do poder político era uma consequência da riqueza; no capitalismo de Estado, a riqueza encontra-se ao nível da posse de uma parcela qualquer do poder político. O circulo dominador tende a fechar-se e a tornar-se mais despótico do que nunca. O Estado proprietário e coletor da mais-valia distribui esta entre os seus servidores, o que excita a baixeza para com os grupos colocados mais acima, grupos esses que são cada vez mais restritos. Por seu lado, os trabalhadores vivem mais dominados do que nunca pela escravatura como assalariados, que o Estado, como patrão único, impõe à sua vontade. À distancia económica entre exploradores e explorados, o arbítrio de uns e a sujeição de outros, é levada a um ponto nunca atingido. «Cada vez mais, o capital surge como uma força social, cujo funcionário é o capitalismo» (Karl Marx). Eis o capitalismo de Estado, nível de degenerescência da sociedade atual, que os falsários apresentam ao proletariado como socialismo.

À burguesia, classe do apogeu do desenvolvimento do capitalismo, cumpriu uma função histórica importante; tratava-se e continua a tratar-se, para os revolucionários, de pôr fim a esse capitalismo, ao seu Estado, às suas classes. Por falta de alguma coisa, a decadência do sistema, já entabulada, não será obra de uma classe bem distinta, mas de castas ou de burocracias que dominam o Estado e os seus terrificantes meios de repressão, que decompõem a sociedade e a conduzem à barbárie. Trata-se, pois, de uma das lições mais espantosas da história contemporânea.

Desde o período de entre as duas guerras, a involução, ou movimento retrogrado da sociedade capitalista, manifestou-se de diversas formas: uma das primeiras, cronologicamente, foi o aparecimento de imensos exércitos de desempregados na Europa e nos Estados Unidos. Na Rússia, a multiplicação dos campos de trabalhos forçados era o equivalente do desemprego e provocava o avistamento da mão de obra. Mesmo hoje, apesar dos milhões de homens mobilizados nos dois blocos, o desemprego ainda não desapareceu. Mas o inicio mais brutal da degenerescência foi incontestavelmente a guerra de 1939-45, cujas consequências reacionárias surgem como cada vez mais perturbadoras: repartição do Mundo e rivalidade entre a Rússia e os Estados Unidos como lideres políticos, ocupação militar de diversas nações, desaparecimento ou afastamento de outras, economia de guerra endémica, ameaça termonuclear que nenhum acordo entre os dois impérios fará desaparecer; uma degradação da consciência das massas operárias e da sociedade em geral, que cada bloco sabe cultivar bem à sua maneira.

À paz, ou mais exatamente o armistício em que vivemos, viu estabelecer alguns métodos de exploracão tão ferozes, que o salário fixo e o dia de trabalho de oito horas quase desapareceram em toda a parte. O pagamento «a tarefa», que o movimento operário conseguiu extirpar, reaparece agora sob múltiplas formas: prémios, bonificações, indemnizações, que a organização do trabalho, as cadeias e as cronometragems — e mesmo as próprias máquinas — se encarregam de aperfeiçoar. Os trabalhadores veem-se assim colocados diante da necessidade de produzir cada vez mais e fazer voluntariamente horas extraordinárias, quando não é o próprio contrato coletivo que lhas impõe.

Resulta desses métodos «científicos» de desenvolvimento do capital, cuja iniciativa é muitas vezes devida à contra-revolução russa11, uma extenuação dos trabalhadores e uma subordinação intelectual muito úteis aos seus inimigos, além do abaixamento generalizado da qualidade profissional inseparável da técnica moderna ao serviço da exploração. À maioria dos trabalhadores não passam de simples manobradores agarrados a uma máquina. Os próprios especialistas também assim se revelam, e de tal maneira, que acabam por mudar de profissão.

O rendimento crescente dos trabalhadores e das máquinas provocou uma centralização monstruosa dos instrumentos de produção, isto é, do capital, que confere a este uma perniciosa tirania económica e disciplinar sobre a mão-de-obra. E enquanto os possuidores se concentram no Mercado Comum com vista a um Mercado Internacional (no outro bloco designado por COMECON)12, os trabalhadores permanecem separados, não apenas em blocos e em nações, mas no interior destas, por sectores de produção, de uma empresa para outra e, em cada situação, eles sofrem uma vigilância e uma regulamentação inteiramente militares, que teriam sido recusadas há trinta anos como atentatório da sua própria dignidade.

Este contraste entre a liberdade de manobra do capitalismo e a paralisia do proletariado é a consequência em linha reta da recusa da revolução mundial entre 1917 e 1937, tendo os resultados da última guerra agravado ainda mais esta consequência negativa. À dilatação do capitalismo é rigorosamente condicionada, desde há alguns decénios, tanto na Zona oriental como na zona ocidental, pela inação revolucionária do proletariado. Dai a natureza duplamente reacionária da atual super-concentração do capital. Revelava-se supérflua para a mudança comunista da sociedade e colocou os explorados no seu conjunto diante da necessidade de reconstruir pedra a pedra as suas organizações revolucionárias, mesmo quando se encontram rodeados por um conjunto complexo de inimigos, que se estende desde o grande capital privado ao estatal até aos partidos e sindicatos que completam a estrutura da acumulação ampliada.

No meio desta situação tão pouco exaltante, a tarefa histórica que o marxismo atribui ao proletariado — a transformação da sociedade de exploração em comunismo — reveste-se da maior urgência a toda a escala planetária. Sem ela, e no melhor dos casos, a humanidade mergulhará num bizantinismo pior do que aquele que prolongou a perda da civilização greco-romana. Mas a recuperação do espírito combativo e o reaparecimento de uma situação revolucionária não poderiam esperar-se, Como o desejam certos marxistas, que se inclinam para o automatismo económico, qualquer dessas crises cíclicas, ditas erradamente de «superprodução». Tais crises eram abalos que regularizavam o desenvolvimento caótico do sistema e nunca um efeito do seu esgotamento. O capitalismo dirigido sabe atenua-las ou esquivar-se delas de várias formas e, aliás, mesmo se uma delas se produz, não engendrará só por si qualquer movimento revolucionário. Sem a intervenção de alguma coisa de diferente poderia, ao contrário, favorecer os propósitos tortuosos dos novos reacionários, que aguardam a sua hora com planos quinquenais dentro da pasta e normas de produção no punho fechado.

À crise geral do capitalismo é o seu enfraquecimento enquanto sistema social. Muito abreviadamente, consiste no facto de os instrumentos de produção enquanto capital e a distribuição dos produtos, limitada pela condição de assalariado, se tornarem incompatíveis com as necessidades humanas e mesmo com as possibilidades máximas que a técnica oferece ao desenvolvimento económico. Esta crise não pode ser vencida pelo capitalismo; tanto o Ocidente como a Rússia agravam-na dia apôs dia.

Por consequência, a recuperação do proletariado deve necessariamente resultar de uma reação contra as condições económicas e políticas que a acumulação ampliada e dirigida do capital impôs quase sempre no período de entre as duas guerras. não se pode alcançar isso sem uma rutura com o esquema tradicional das «reivindicações imediatas» e da «tentativa revolucionária». Hoje, o que é imediato conquistar é o desaparecimento dos prémios, das horas extraordinárias e do trabalho à tarefa, bem como uma importante redução do horário de trabalho, sem que o pagamento médio diminua em qualquer caso. À divisa geral deve ser: menos trabalho, melhor remuneração! Em segundo lugar, é necessário atacar frontalmente a frenética acumulação do capital, que cada vez se torna mais reacionária: «Todo o aumento da produção para a classe operaria que o realiza!», eis uma reclamação cuja perspetiva é não o capitalismo de Estado, mas a organização do comunismo.

Politicamente, a classe operária deve começar por afirmar o seu direito para rejeitar qualquer regulamento interno ou qualquer contrato de trabalho, mesmo que sejam ditados pelo capital ou conjuntamente pelos sindicatos, ou seja, deve impor o seu direito soberano de decisão direta acerca de todos os seus problemas e de todos os seus movimentos de greve, por intermédio de delegados eleitos e revogáveis em todos os escalões necessários. Finalmente, não se deve esquecer o direito individual ou coletivo do proletariado na intervenção política ao lado dos trabalhadores de qualquer outro pais. É esse o caminho da unidade revolucionária europeia e mundial, que se opõe à unificação retrograda do capital em redor de Washington e de Moscovo. Os assalariados dos países que conservam certas liberdades democráticas burguesas tomarão assim o facho da democracia proletária e poderão contribuir para esmagar o totalitarismo que reina em países como a Espanha, a Rússia, a China, o Egito, etc.

O que dizemos atrás basta para fazer compreender até que ponto o regresso do proletariado ao combate pela revolução mundial depende de uma renovação ideológica. Um período de insurreição das massas não pode de modo nenhum ser o resultado unilateral nem de uma «crise cíclica», nem sequer da crise geral do capitalismo. Se a presença de partidos revolucionários mais puros e aptos para levantar o entusiasmo dos melhores como para simbolizar a esperança dos oprimidos não se conjuga com essa crise, qualquer revolta local fracassará sem dar origem ao movimento revolucionário internacional.

A organização Revolucionaria

Além das causas materiais que colocaram o proletariado à mercê dos seus inimigos, é necessário sublinhar, como fator político adicional, a falência das organizações que, tendo-se oposto desde o primeiro dia à corrupção estalinista, se encontravam nas melhores condições para reagrupar novos partidos revolucionários. À obra de Trotski e do movimento original da IV Internacional constituiu um contributo considerável para a compreensão do Termidor russo. Mas a organização que continua a reclamar-se do trotskismo, longe de completar e de alargar as análises de Trotski e o seu próprio programa, aproveitando o conjunto da evolução política e social, não faz mais do que remoer algumas formulas vazias sobre a própria natureza da economia russa.

Recusa-se a admitir o carácter contra-revolucionário e capitalista do estalinismo e acolheu como «libertadora» a entrada das tropas russas na Europa Oriental, enquanto estas arrancavam aos operários as armas e as fábricas de que eles se tinham apoderado em diversas Zonas. À sua recente e vergonhosa coligação com diversos nacionalismos burgueses — o da Argélia, em primeiro lugar — estava preparado desde longa data pelo seu abandono da divisa marxista: «Contra a guerra imperialista, a guerra civil», em proveito de uma defesa nacional que o substantivo «Resistência»y nem sequer pretendia mascarar.

Em suma, considerando que o capitalismo de Estado à maneira russa é a base económica do socialismo, a IV Internacional renega ostensivamente a tarefa revolucionária que foi a origem da sua fundação. O verdadeiro reformismo moderno é na verdade a IV Internacional e também as organizações que são ideologicamente aparentadas. Em relação ao capitalismo centralizado no Estado, desempenham um papel semelhante ao da antiga social-democracia relativamente ao capitalismo privado e monopolista. Sem romper com elas, é impossível criar um terreno propicio à revolução.

Quanto aos grupos que abandonaram essa Internacional ap6ôs o Congresso de 1948, ou que pretendem «continua-la» — como muito recentemente os da América Latina —, eles encontram-se metidos numa ortodoxia trotskista tão negativa como qualquer outra. Caíram nos mesmos oportunismos e igualmente veem em qualquer agitar de bandeira nacionalista o começo de uma «revolução permanente», enquanto barram na realidade o caminho ao proletariado. Interpretam de maneira direitista o Programa de Transição, mesmo quando a experiência e as necessidades das massas exigem com toda a urgência que se ultrapasse esse programa.

Por seu lado, a tendência «Socialismo ou Barbárie», igualmente saída da IV Internacional já menos agressiva, anda a reboque da deliquescente «esquerda» francesa acerca de todos os problemas e em todos os momentos importantes: guerra da Argélia e problema colonial, 13 de Maio de 1958 e poder gaullista, sindicatos e lutas operárias atuais, atitude em face do estalinismo e do dirigismo em geral. E é assim mesmo que, embora reconheça na economia russa um capitalismo de Estado, apenas contribuiu para tornar os espíritos ainda mais confusos. Renunciando expressamente a lutar contra a corrente e a nada dizer à classe operária «que ela não possa compreender», devotou-se por sua livre vontade à falência. Desprovida de nervos, esta «tendência» cedeu a uma versatilidade que se aproxima do funambulismo existencialista. Em relação a ela, como em relação a outras tendências que existem nos Estados Unidos, convém lembrar esta frase de Lenine: «Apenas alguns piedosos intelectuais pensam que aos operários basta falar da vida na fábrica e repetir o que eles sabem desde há muito tempo».

Quanto aos grupos e aos partidos que, no conflito sino-soviético, têm tomado mais ou menos o partido de Pequim, eles situam-se muito à direita do que, com bastante tolerância, se pode considerar como vanguarda revolucionária12. Pequim não faz mais do que imitar o capitalismo de Estado russo, a contra-revolução estalinista. Que o seu protetor de ontem insulte a China e pense trata-la somente como uma semi-colónia, é a justa moeda do papel que os seus dirigentes desempenham desde há muito tempo. Mas isso não lhe dá de modo nenhum o direito de falar em nome do proletariado e da revolução. Em 1925-1927, Mao Tsé-Tung e Chu En-lai destruíram os sovietes chineses para maior glória do Termidor russo. Colhem agora aquilo que semearam. À Rússia, tornando-se uma grande potência imperialista, exige alguns dividendos sobre a mais-valia arrancada a quinhentos ou seiscentos milhões de chineses, além da subordinação que lhe é devida em matéria de influência asiática. Por isso, a «querela ideológica» não comporta senão alguns eufemismos e palavras cruzadas próprias da burocracia capitalista quando ela atravessa grandes dificuldades.

Colocando-se na cauda de Pequim, espezinha-se a ideologia do proletariado de tal modo que ela se inclina diante de Moscovo. Apenas a indigência mental e psíquica — devida a trinta anos de estalinismo — permite ainda aos mandarins de Pequim falar de uma revolução que deve ser feita também na China e mesmo contra eles. Os seguidores que eles conseguem concentrar também os utilizarão para estabelecer um compromisso com Moscovo — como primeira tentativa — e se esta falhar com Washington.

Os grupos mais radicais da periferia estalinista entendem por «regresso à política revolucionária» o retorno à Frente Popular, que foi precisamente a tática da guerra imperialista posta em jogo, sob uma aparência reformista, mesmo no tempo em que a contra-revolução caminhava na Rússia a toque de tambor, ceifando as cabeças de todos aqueles que continuassem a ser pouco revolucionários. À verdade é que todos esses grupos ou partidos se revelam como um subproduto da crise que inaugurou a decomposição da contra-revolução estalinista e onde eles não têm nada de positivo a propor. Os operários e os jovens que, após mil circunstancias fortuitas, se encontrarão no seu meio, acabarão por se perder para qualquer trabalho revolucionário, a menos que não recapitulem com maior rigor critico toda a obra do estalinismo enquanto contra-revolução capitalista na Rússia e no Mundo. Eis ai um preâmbulo indispensável para se estar à altura de contribuir, na teoria e na prática, para o renascimento de um partido proletário mundial.

Nunca se falou tanto de «revoluções vitoriosas € nunca se viu uma época táo reacionária a esse nível, tanto no Oriente como no Ocidente. Diu-se-ia que o capital está a ponto de reafirmar a sua dominação por mil anos, instalando nos cérebros das suas vitimas, tal como qualquer religião, a ideia de que a exploração planificada é o socialismo e que a ditadura policial de um partido é o governo do proletariado. As aparências são enganosas. De uma ponta à outra da fronteira entre os dois blocos acumularam-se formidáveis energias revolucionárias. Podem colocar-se em movimento em qualquer altura, sempre que forem necessárias, mas a sua cristalização como vitoria proletária tornar-se-á impossível sem uma nova organização revolucionária. Em contrapartida, a criação desta precipitará uma avalanche irresistível das massas, tendendo todas as energias para o objetivo supremo. Uma verdadeira civilização poderá emergir pela primeira vez entre os homens.

A Primeira Internacional agrupou os trabalhadores para lá das fronteiras e, antes da sua dissolução, realizou um imenso trabalho ideológico que, ainda hoje, é uma das principais fontes de inspiração revolucionária. À Segunda Internacional disputou ao capitalismo os direitos e o nível de vida dos operários, mas, recusando-se a elimine-lo, acabou por se integrar na sua legalidade, que é apenas o mundo das trevas para os explorados. À Terceira Internacional tomou o comando da luta pela revolução mundial durante vários anos, prosseguindo a obra educadora da Primeira, até ao momento em que o Termidor começou a utiliza-la como instrumento de política externa conservadora. Totalmente aviltada pela contra-revolução estalinista, secundou todos os crimes desta na Rússia e contribuiu fortemente para a derrota do proletariado mundial. Por seu lado, a Quarta Internacional, que possuía imensas possibilidades, apesar da sua exiguidade orgânica, delapidou de exegese em exegese a sua herança teórica até perder finalmente a sua independência enquanto movimento.

Uma nova organização revolucionária é indispensável ao proletariado mundial. No entanto, a não ser que incorpore no seu pensamento as severas experiências ideológicas e organizativas surgidas depois de 1914, a sua constituição tornar-se-4 impossível ou pelo menos gravemente defeituosa. As derrotas do passado devem assinalar o caminho da vitoria. Tal organização deve exceder as tradicionais concentrações de partidos nacionais e rejeitar também qualquer «centralismo» que permita a um punhado de dirigentes afirmar-se como «a base» em face das decisões disciplinares levadas a cabo. Deve prefigurar o futuro mundo sem fronteiras nem classes. Nesse sentido, nós adotamos este Manifesto que propomos a todos os grupos e aos revolucionários de todo o Mundo. É preciso romper de maneira decisiva com as táticas e ideias mortas, dizer sem reticências toda a verdade à classe operária, retificar sem mágoa tudo o que constitui obstáculo ao renascimento da revolução, mesmo que esses obstáculos derivem de Lenine, de Trotski ou de Marx, e adotar um programa de reivindicações que esteja de acordo com as possibilidades máximas da técnica e da cultura modernas postas ao serviço da humanidade.

As Tarefas da Nossa Época

Organização da ação da classe operária, direta ou independente de qualquer sindicato, com as palavras de ordem aqui determinadas:

Menos trabalho e maior remuneração

  1. Supressão do trabalho à tarefa e do salário de base que o estimula, fazendo-os substituir por um trabalho à semana, mensal, etc.

  2. Redução da semana de trabalho para 30 horas (primeiro passo), sem qualquer diminuição de salário e no qual devem ser incorporados os prémios, bonificações, horas extraordinárias, etc. tudo o que constitui, dissimula ou estimula o trabalho à tarefa.

  3. Supressão das cronometragems e controlos que intensificam a exploração, sufocam o operário e rebaixam a sua dignidade pessoal. Os interessados em cada empresa ou ramo da produção são os únicos qualificados para determinar o ritmo do trabalho.

  4. Qualquer aumento da produção (o seu valor atualmente), quer provenha de um maior rendimento do operário ou de um aperfeiçoamento técnico, deve incidir a favor dos operários, coletivamente, esperando-se que a classe por inteiro decida sobre a sua repartição. É essa a forma de pôr um limite à acumulação do capital, cada vez mais esmagador, e fazer subir verdadeiramente o nível de vida dos explorados.

  5. Trabalho para todos, desempregados e jovens, e diminuição das horas úteis proporcionalmente ao número de operários e ao aperfeiçoamento da maquinaria. Trata-se de uma solidariedade de classe que causará excelentes consequências, bem como um direito ao trabalho que implica em contrapartida o supremo «direito à preguiça», hoje inexistente apesar das férias, simples paragem física semelhante ao período do sono.

  6. Denuncia das convenções coletivas não-estabelecidas diretamente com a empresa pelos trabalhadores e aprovadas por estes últimos.

  7. Distribuição gratuita, junto das camadas sociais mais pobres, dos viveres e artigos de consumo armazenados como «excedentes de producão», distribuição efectuada no prôprio pais ou em qualquer outro, sem distinção de bloco.

À ação independente para a defesa das liberdades fundamentais deve presidir a divisa:

Direito de expressao, de organização e de greve ao proletariado

Estes direitos são confiscados pelos partidos e suas organizações sindicais que se tornaram inseparáveis do capitalismo decadente. Nas fabricas, os acordos sindicato-patronato suprimiram a liberdade individual bem como a liberdade coletiva dos operários, e muito particularmente a dos revolucionários, embora muitos deles tenham sido despedidos legalmente por terem falado de política, por terem distribuído propaganda ou não se terem revelado de acordo em qualquer outra atitude. Torna-se, portanto, indispensável reivindicar:

  1. A liberdade política, de expressão e de distribuição de imprensa, dos folhetos, etc. nos próprios locais de trabalho, bem como a liberdade de reunião nos mesmos locais quando a autodefesa dos operários o exigir.

  2. À recusa de qualquer regulamento interno na empresa imposto pelo patrão «burguês» ou pelo Estado, ou por este e pelos sindicatos conjuntamente. Em cada empresa ou em cada profissão, os próprios trabalhadores, por intermédio de delegados eleitos para esse fim, devem possuir apenas, com exclusão de todos os outros, a possibilidade de estabelecer um regulamento interno. À sua aprovação em assembleia geral é uma indispensável medida de precaução.

  3. À soberania exclusiva e ilimitada dos trabalhadores, sem que haja necessidade de qualquer caução sindical ou governamental para empreender a greve económica e política.

  4. O direito de expressão e de voto a todos os interessados, fora de qualquer filiação sindical ou política, para estabelecer as reivindicações de cada greve, o momento de a desencadear e o seu termo, enfim, para resolver todos os problemas que com isso se relacionarem.

  5. O direito de eleger diretamente, sem qualquer formalidade sindical ou judiciária, alguns delegados permanentes de oficina, fábrica, profissão, etc. para representar os trabalhadores perante a direção.

  6. O direito de se manifestar perante qualquer eventualidade e não importa em que momento, por intermédio dos seus delegados, e harmonizar os seus pontos de vista com os trabalhadores de outras industrias ou atividades, em todo o pais e mesmo internacionalmente.

Uma tal direção deve favorecer o proletariado na recuperação e aumento da sua liberdade de expressão e de ação, hoje suprimida na maior parte dos países, ou transformada, nos países menos ditatoriais, em monopólio dos partidos € sindicatos, que constituem na realidade a estrutura legal da exploração do trabalho pelo capital. Em países como a Rússia, a China e os seus imitadores, é preciso começar por se lutar contra a ignomínia das multas, das medidas policiais ou jurídicas pelos atrasos ou a falta ao trabalho, contra o aviltante «relógio de ponto», e pelo direito de expressão e de organização das massas em face do partido ditador.

Sem uma luta generosa por essas reivindicativos, o proletariado continuará à perder terreno perante o capital e a fazer aumentar a capacidade opressiva deste.

As reivindicações imediatas mínimas aqui enumeradas poderão representar um papel demasiado importante na renovação da atividade proletária no Mundo inteiro sem distinção dos países atrasados ou avançados. No entanto, como não se pode agir em nenhum caso para melhorar ou desenvolver a economia baseada no «capital-assalariado», mas para acabar com ela, é indispensável relaciona-las sem solução de continuidade com as medidas supremas da revolução proletária mundial, e não perder de vista que em certos casos se tornará possível começar imediatamente por estas:

Abaixo o capital e o trabalho assalariado

  1. O poder político é dos trabalhadores, que o exercerão por intermédio de comités democraticamente designados e revogáveis a cada instante.

  2. Expropriação do capital industrial, financeiro e agrícola, não pelo Estado, os sindicatos ou qualquer outra instituição, o que daria lugar, como na Rússia, a um capitalismo ainda mais brutal, mas pelo conjunto da classe operária.

  3. Gestão operária da produção e da distribuição dos produtos, o que se revela inseparável de uma planificação exclusivamente ditada pelas necessidades do desaparecimento das classes.

  4. Destruição de todos os instrumentos de guerra, atómicos ou clássicos, dissolução dos exércitos, das policias, reconversão das industrias de guerra em produção de consumo.

  5. Armamento individual dos explorados sob o capitalismo, territorialmente organizado, segundo o esquema dos comités democráticos de gestão e de distribuição. Reside nisso uma das melhores garantias que a transformação social pode encontrar.

  6. Incorporação nas atividades úteis de todas as camadas da população que hoje realizam trabalhos parasitários ou nitidamente prejudiciais: isso permitirá, servindo-se ao máximo da técnica e da ciência moderna e no mínimo do esforço humano, para aumentar continuamente a produção, reduzindo sempre o tempo de trabalho que lhe é consagrado. Eis também o meio de ultrapassar a divisão hoje imposta entre trabalho manual e trabalho intelectual.

  7. Supressão do trabalho assalariado, começando por elevar o nível de vida das camadas sociais mais pobres, para se atingir finalmente a livre distribuição dos produtos segundo as necessidades de cada um. Não existe e não pode existir outra prova da transformação do capitalismo em socialismo e do desaparecimento das classes.

  8. Supressão das fronteiras e constituição de um único governo e de uma única economia, à medida que se consolidar a vitoria do proletariado nos diversos países.

Finalmente, torna-se imperioso determinar que a transformação do capitalismo em comunismo, a ditadura do proletariado, é um conceito sociológico marxista inseparável da mais ampla democracia no seio das massas trabalhadoras, que se encontram em processo de desaparecimento como classe. «À emancipação dos trabalhadores será a obra realizada pelos próprios trabalhadores». Eles voltam as costas àqueles que a identificam com a ditadura de um partido ou mesmo de vários, à maneira da ditadura capitalista considerada como «democracia parlamentar». Apenas o desaparecimento da lei mercantil do valor, baseada inteiramente no trabalho assalariado, conduzirá à extinção do Estado. Se acaso não souber orientar-se no sentido deste desaparecimento desde os primeiros dias da Revolução, o Estado transformar-se-á rapidamente em organizador da contra-revolução.

As condições objetivas para a realização do comunismo como a historia as podia criar, encontram-se presentes e amadurecidas em excesso à escala mundial. Mas é apenas sobre as asas da subjetividade revolucionária que o homem percorrerá a distancia que vai do reino da necessidade ao reino da liberdade.

Proletários de todos os países, uni-vos! Suprimam os exércitos, as policias, a produção de guerra, as fronteiras, o trabalho assalariado!!


  1. P. Broué e E. Términe. La Révolution et la Guerre d'Espagne

  2. Lembremos, entre outros, os trabalhos seguintes: Le Socialist Worker’s Party et la Guerre impérialiste, pelo grupo referido; Les révolutionnaires devant la Russie et le stalinisme mondial, de G. Munis; Le Manifeste des Exégètes, por Benjamin Péret; Jalones de Derrota: promesa de Victoria (Espagne 1930-39), por G. Munis; Lettre ouverte ao Parti Communiste internacionaliste, Secção francesa da IV Internacional, por Natália Sedova Trotski, B. Péret e G. Munis; Raison et agissements du Secrétariat international, por G, Munis; Explication et appel aux militants, groupes et sections de la IVe, Int., pelo comité da secção espanhola. 

  3. Temos à disposição de quem o exigir a carta de ruptura e a resposta insultuosa da IV Internacional, bem como a última declaração escrita por Natdlia Sedova Trotski. 

  4. Os operários americanos empregados nas máquinas automatizadas chamam-lhes «men killers» (matadores de homens). 

  5. Ver Lenine, O Capitalismo de Estado e o Imposto Natural. 

  6. No seu discurso perante o Congresso pan-russo dos Conselhos de Economia, realizado em Moscovo, em Maio de 1918. 

  7. Alguns exemplos entre milhares: Na primeira Conferência Internacional de Genebra, a que assistia uma delegação de Moscovo, quando o Termidor estalinista se perfilava j4, o representante inglês, Chamberlain, o futuro homem de Munique, exclamava: «A Grá-Bretanha não chegará a qualquer acordo com a União Soviética enquanto Trotski não for fuzilado». | À expulsão de Trotski do Comité Central do Partido Comunista russo, bem como mais tarde a sua deportação para Alma-Ata, foram aplaudidas pela imprensa burguesa e pelas chancelarias ocidentais como um sinal evidente da vitoria da fração reacionária sobre a fração revolucionária. | O advogado de Sua Majestade, Pit, caucionou publicamente as falsificações judiciárias de Moscovo em 1936-38, enquanto pouco depois o milionário Eric A. Johnston (na época presidente da Câmara de Comércio norte-americana), se regozijava com o extermínio dos homens de 1917. Nessa altura, Laval obtinha de Estaline uma plena subordinação patriótica dos partidos estalinistas ocidentais. A palavra de ordem do Partido Comunista francês foi «A policia connosco». | Em 1937-38, os capitais imperialistas olhavam com alivio e encorajavam a repressão da revolução espanhola pelo governo de Negrín, que os homens de Estaline dominavam e inspiravam diretamente.| Em 1944, o proletariado grego, revoltado e quase vencedor, foi brutalmente reprimido por uma coligação dos estalinistas, dos clericais e das tropas inglesas. Depois de uma conferência pessoal sobre a repressão com o partido «comunista» grego, Churchill orgulhava-se na Câmara dos Comuns de ter esmagado «a verdadeira revolução comunista, aquela que também incomodava Moscovo». | Finalmente, os tanques russos não poderiam metralhar o proletariado de Budapeste em 1956 sem a passiva cumplicidade dos imperialismos ocidentais. Para estes como para a Rússia, a afirmação da potência rival é sempre preferível ao triunfo de uma revolução que colocaria em movimento as massas de todo o Mundo. | Uma lista completa de factos semelhantes, sempre escondidos ou falsificados pelas propagandas dos dois blocos, daria para um volume bastante extenso. 

  8. Estonia, Letônia, Lituánia, Polônia, Checoslováquia, uma parte da Alemanha, Hungria, Roménia, Bulgária, sem contar a Jugoslávia e a Albánia. 

  9. História e Luta de Classes, no penültimo capitulo. 

  10. Este capitulo foi escrito antes da independência da Argélia, no começo de 1961. 

  11. Programa do XXII Congresso dos tecnocratas russos (Julho de 1961): «...assegurar por toda a parte uma produção e um rendimento máximo da produção por cada rublo investido (...). Aperfeiçoar constantemente o sistema dos salários e dos prémios; controlar pelo rublo a quantidade e a qualidade do trabalho; rejeitar o nivelamento da retribuição». 

  12. Sem pretender apreciar em especial cada uma dessas organizações, podemos considerar revolucionários os diversos grupos da «Esquerda Italiana», em França o Programme Communiste e no Japão a Liga Comunista Revolucionária e, um pouco por toda a parte do Mundo, alguns grupos de origem trotskista ou anarquistas independentes.